quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Non la horca, Lorca fue fusilado - 80 anos de um fuzilamento.







                                                                                   'En el tiempo en que se va cosechar las semillas.'




Foi há dezoito anos, num verão.  Se fossem vinte, a razão teria sido os sessenta anos de sua morte, mas não, acho que foi por ocasião de uma das buscas da sua ossada em vala comum, que não foi encontrada outra vez; porém seguíamos pela A-92, haviamos partido daquele sonho, verdadeiro paraíso na Terra, que se chama Alhambra, na 'Dehesa del Generalife', tendo deixado para trás a Sierra Nevada e seguido por Albacín, fomos ter a essa 'carretera' que busca Sevilha; adiante, em certo ponto, vejo ao longe uma imensa faixa que registrava a presença do Rei de las Espanhas num determinado ermo dessa depressão quase desértica pela qual segue a autoestrada andaluza, e que para os lados de Almeria, em Tabernas, é mesmo deserto, e onde, a espaços, se encontra uma das pradarias, 'las dehesas', que pontilham o vasto planalto central por onde corre a rota que percorríamos, o rei estava lá por aqueles dias com aquele enorme calor, porque naquele 'pueblo', o horizontal, da origem árabe de seu nome, Alfacar, no dezenove de Agosto de 1936, haviam assassinado Federico Garcia Lorca. Vinha purgar os erros do regime que o fizera rei no lugar de seu pai, que escondera a localização da vala comum onde enterraram o grande poeta, o dramaturgo de sonho, a alma de sensibilidade fina que o 'El país' do dia doze de Agosto de 2016 dizia que era uma galáxia, era várias, e seu fulgor atrairia às gentes e incomodaria o regime que a figura de um genial e proeminente homossexual vermelho só poderia empanar, é mesmo como diz Agustin Sanchez Vidal em seu texto a que muito oportunamente intitula Mito, diz que Lorca foi uma lenda em vida, e isso diz tudo, diz, ademais, do quanto poderia ser incômodo, e que morto e esquecido, com seu corpo em local desconhecido, é que era bom para o regime franquista.

Porém a força de suas palavras, seu teor material, a capacidade de plasmar  de sua escrita, continua a inundar consciências, e nunca deixará que seu nome seja esquecido. Desde que o rei, década e meia antes daquele dia, no golpe de Tejero, optara pela democracia, fizera-se mister repor cada uma das figuras maiúsculas do país, às quais o regime que lhe dera a coroa pusera em miserabilidade, ostracismo e esquecimento, porém não logrando alcançar nenhuma das premissas intentadas, por isso o rei foi a Alfacar purgar lá esse passado que o comprometia, e, assim, louvar o grande gênio espanhol em sua casinha última, na mesma Veiga natal, que mais uns quilômetros adiante sempre pela mesma 'carretera' em direção a Sevilha, em frente onde hoje há o Aeroporto com seu nome, encontra-se sua Fuente Vaqueros, o outro 'pueblo' granadino onde a cinco de Junho, em 1898, trinta e oito anos antes daquele fatal dezenove de agosto, nascera. Em meio a um calor terrível seguia com a mãe portuguesa de minha filha luso-brasileira por essa estrada nesse Agosto febril de 1998, descobrindo Al-Andaluz, que só essa parte guardou-lhe o nome mouro da península, e, com ele, reteve suas tradições de grandeza e de sonho, e foi com esses dois fios do infinito que se teceu a trama desse ser maior que hoje lembramos nos oitenta anos de sua morte, o homem que virou mito, esse que evocou Sanchez Vidal no 'El país' , esse mesmo mito como definiu Pessoa na primeira linha do segundo Canto da primeira Parte da Mensagem: um "nada que é tudo."

Pois Lorca, o homem-mito, a galáxia, o eterno, o inolvidável, para quem olharia Franco, já um Franco mais velho, e veria aquele rapaz, depois com os seus trinta e tais anos, e pensaria na força do povo que por fim conseguira dominar, e que, em seu meio, a qualquer momento, poderia ver surgir uma força como aquela força da natureza, aquela presença divina que foi Lorca, no que o divino pode ter de melhor, e todo seu regime seria nada perante uns quantos versos dele, e então, Franco, como um noivo ainda mal casado, poderia ter que se envolver em nova luta para não perder a noiva para milhares de Leonardos com quem essa fugiria milhares e repetidas vezes, pois a noiva, Espanha, sempre terá muitíssimo pretendentes. Noivos impostos, caudilhos pela força, ditadores pelas circunstâncias, nunca sabem, pois, até quando . . . Não gostam que haja personagem que os empane, figura que os possa criticar, mesmo mortas, pois até mesmo sua memória é perigosa, sua lembrança permanece uma presença incômoda, e suas ideias um perigo sempre ameaçador.

A sombra gigante com" Sete gritos, sete sangues, sete papoilas dobradas" com o que pode mudar tudo, como em seu poema dedicado a Margarita Manso, em que "Morto de amor" como foi, como viveu, revive e se projeta no infinito, substrato de um povo, de dois, que nessa península dúbia soem sintetizar, em seu longo tempo de história, duas duplas contemporâneas entre si à vez, uma do XVI e outra dos finais do XIX, Camões/Pessoa, Cervantes/Lorca, que nos dá, em cruzado, Camões/Cervantes, Pessoa/Lorca. Este último a sombra fantástica que à luz do "alho de prata agonizante" poderia sempre transmudar o colorido das coisas por força de seu apelo, na expressão de sua vontade bastando para tanto dizer: "Verde que te quero verde" e o vento, e os ramos, e o barco sobre o mar e o cavalo na montanha, levariam a sua mensagem com o amplo poder atuante de algum "Romance sonâmbulo" e, com ela, pudesse revelar e denunciar, e, destarte, perenemente evocasse verdade tão transcendental e pungente que, ao criar mundos insubstituíveis de realidades absurdas e fatais, traria, como o vento, ainda outras verdades tão mais potentes e reveladoras que inquietariam o sono dos poderosos desse mundo, que não conseguem perdoar aos Federicos.




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