sexta-feira, 14 de março de 2014

A estagflação portuguesa, um caso atípico.



Subrepticiamente passa a haver deflação por toda a Europa, fruto de uma  moeda forte num contesto de recessão que não acompanha com riqueza tangível a "riqueza" contábil. Será uma resultante da distorção de um euro a duas velocidades, porém é mais que tudo um enorme aumento da liquidez numa economia que não cresce verdadeiramente e que financeiramente deverá ter crescido promovendo distorções abusivas e insanáveis. Disse deverá e não deveria porque o crescimento mencionável é fruto de uma riqueza contábil e não real e se verifica por repetida ação dos prestamistas, juros cobrados, e aumento da base econômica geral sem a consequente expansão da economia em si mesma, ou aumento da produtividade. Esta esdrúxula manifestação dá-se mais que tudo em virtude de um anormal aumento da liquidez sem o colateral crescimento da economia. A ditadura dos mercados, com uma moeda forte e um aumento do poder de compra, para quem não pode e não quer comprar é a razão de tudo isto. A esta manifestação europeia podemos chamar de Síndrome de Midas. É como se ficássemos ricos de repente sem que pudéssemos usufruir desta riqueza. É uma anomalia sistêmica de uma riqueza financeira e não econômica que está a se agravar por todo o 'mundo' rico.

Só que como em toda família rica há uns parentes menos ricos, ou que momentaneamente estão atravessando dificuldades, que no ambiente dos ricos pagam o prêço de e por não lhes acompanhar a pedalada. Assim os países que convivem numa economia aberta mas sem a saúde financeira para acompanhar a estas virtudes econômicas, onde muitos com bases econômicas sólidas se permitem a grandes aventuras financeiras ficando ainda mais ricos, e com uma liquidez perversa que gera uma moeda irreal que pode muito e que não permite respirar ao primo pobre que não tem um afluxo de moeda suficiente que lhe permitisse ser realmente rico. Abocanhando pequenas benesses do sistema, mas sem uma base monetária que lhe permita conviver com riquezas que muito lhe ultrapassam, criam distorções de ordem tal que desfiguraria regiões de um país onde isto ocorresse, quanto mais uma comunidade de países com moeda única, onde cada qual vive da sua riqueza mas no 'estilo' da riqueza dos outros, muito mais ricos, que podendo muito mais trazem para si todas as vantagens das riquezas e dos investimentos do sistema, deixando os primos pobres numa condição de párias, podemos denominar a isto distorção volumétrica, ou seja não podem conviver volumes econômicos distintos num mesmo ambiente, sem que os volumes maiores esmaguem os de menor volume.

É exatamente o que se passa hoje na Europa, e por mais QRENs que hajam não se corrigirão as distorções que o meio circulante gera. É uma novidade econômica, e, como tal, deve ser encarada e estudada, porém para uma situação na qual um pequeno país está no convívio com gigantes em pé de igualdade, o que é muito bom pelas oportunidades que oferece, mas é terrível pelas distorções que cria e possibilidades que sonega, esta pode ser esmagadora na luta pelos investimentos disponíveis e pela ação dos custos financeiros invisíveis.

Agora Portugal é um caso atípico, porque tendo entrado na crise do 'sub-prime' que logo sucedeu-se da crise das dívidas soberanas, não aguentou o repuxo, por não ter as contas estatais arrumadas e ter uma banca gananciosa que precisou de muito apoio para não soçobrar, por ter-se visto de uma hora para outra de calças na mão. Enquanto a situação serena e quer entrar num novo ciclo de desenvolvimento, só pode contar com incertos investimentos externos que não cobrirão a ferida rasgada com a crise de sua dívida. Como a recita do FMI para a solução da crise gera recessão, à qual agora vai somar-se a recessão européia, e num país que, não podendo mexer na moeda, teve de cortar salários e pensões, gerando mais recessão ainda, recupera-se financeiramente, mas perde-se economicamente, dispensando uma geração que a meio de sua carreira, inclusive contributiva, perde-se irremediavelmente para nunca mais se recompor. Este exponencial número do desemprego com uma moeda fortíssima e uma deflação caricata  gera o que podemos chamar de estagnação atípica, por não ter havido o ciclo benigno, e só suas consequências de muito dinheiro no mercado com um mercado ilíquido, porque a presença monetária era exógena, ou seja, não era fruto de um crescimento interno real do mercado, mas de sua estimulação artificial promovida pelo Estado para evitar falências no setor da banca. Esta situação esdrúxula propiciou toda a anomalia conjuntural no momento de crise, que somadas as defesas naturais dos agentes econômicos, e a uma já persistente anomalia estrutural de que padece o país, criou esta situação que sendo uma estagflação, também não o é. E como é isto? Havendo correção dos preços (sintoma inflacionário) num ambiente de deflação e moeda fortíssima, esta logo cessou. Poderíamos dizer, como descoberta econômica, que é a distorção das distorções. O que faltará inventar em economia?

Porque tendo todas as características de estagflação e faltando-lhe a única positiva que é ter havido o anterior ciclo virtuoso de crescimento econômico exacerbado, esta manifestação distorce o que já estava distorcido sobretudo porque não se refletiu na moeda, e tendo havido maior procura agregada não houve a correlata forte inflação, porque a força da moeda a travou.

Portugal vinha de muitos anos de baixo crescimento econômico e descontrole das contas públicas, exceto por um breve período de tentativa de consolidação orçamental. Meu pai era médico e tinha a teoria de uns quilinhos a mais para compensar uma eventual doença, ou seja  engordar-se um pouquinho para ter o que perder em caso de doença, não tendo o peso certo porque se acaso sobreviesse uma doença estávamos precavidos para enfrentá-la. O capitalismo exige esta teoria de meu pai, porque o capitalismo é a cura de uma doença recorrente que é o próprio capitalismo, e que se configura numa senóide de ciclos de crescimento e decréscimos econômicos alternados numa sucessão infinda, podendo haver distorções para outras curvas menos amenas. É o caso da estagflação portuguesa ! Desvirtuou-se a outra parte descendente da senóide para uma reta oblíqua que à seguir transforma-se numa reta paralela ao eixo horizontal, que prolongar-se-á enquanto não houver vontade política em alterá-la posto que as determinantes econômicas macro não se alteram por força dos agentes econômicos, mas dependem diretamente das políticas que as determinam.

A economia é uma ciência complexa cuja arte depende de muitas outras manifestações da vida social, entre elas a política, que pode não estar preparada para corroborar as teorias econômicas, ou corroborar e sustentar uma teoria econômica errada, para não dizer destruidora ou avassaladora.



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