sexta-feira, 7 de março de 2014

Centenário de José Blanc de Portugal.




O grande poeta e musicólogo José Blanc de Portugal estaria completando seus cem anos de nascimento se estivesse entre nós fisicamente, mas estão conosco suas palavras, suas ideias e sentimentos, que permanecem nos seus escritos, vivas e pulsantes, como seu coração apaixonado. Todos passamos pela vida deixando maior ou menor impressão, mas só os apaixonados, aqueles que sentiram o latejar da vida em seu peito, deixam um legado.

O legado de José Blanc para além dos de  carne e ossos que entre nós vivem como seus filhos, seus netos e bisnetos é o da captação da sensação, rara capacidade que traduza na sua inteireza, atingindo o alvo, o leitor, o ouvinte, o espectador, aquilo que sentiu, atingido-os e impregnando-os com esta mesma sensação, transposta pela emoção, recriada através do filtro do poeta e sua capacidade de sentir, emocionar-se e emocionar.

José Blanc era um desses raros, que tendo ido para o meu Brasil desempenhar funções diplomáticas, logo se  inseriu no país e logo era brasileiro, o mais português dos brasileiros certamente, mas  sua capacidade de inserção e de sentir, fica clara em seus poemas desta fase, o que me levou a escrever, em sua homenagem, um poema que traduz esta sua sincronia com meu país. A relembrá-lo aqui, edito o poema.



         Uma sensação brasileira.  

                                                        
                                                          Parede, 12/06/2009.
                                                          A D. José Blanc de Portugal.      
                                                              (8/3/1914  - 13/5/2000)

                                  


Tenho aqui comigo a tua Ana
Na noite popular das marchas...
Que no culto de tua memória
Mostra-me o teu 'Descompasso'
Onde está o Brasil e sua história
E onde, por todas as graças,
Conseguistes restabelecer o laço.

E pediu-me uma quadra ao Santo Antônio
Quando ganharam duas marchas da mesma colina
Formando destarte um binômio
Que se não via desde que ela era menina

Fico-me por estas sendas alfacinhas
Mas às façanhas devo lançar-me eu,
Longe de quaisquer coisas mesquinhas
Para poder dar-te, a ti, recado meu.

Louvar-te o elo de dois mundos tão diferentes e tão iguais
Que os jungistes e os fizestes mais
Por teu sentir, amar e bem dizer
Desvendastes o segredo da segregação,
Unindo o inconcebível no teu verbo lusitano
Para que não haja mais separação
E o torne ainda mais humano.

Há um batuque que se escute
Aqui, ali, acolá,
E que com meiguice desfrute
Deste rumorejar.

Refunde-se neste ato muita evocação
Do branco, do negro, do mulato ( tanto amor de perdição...)
Que se junta a este fato de haver sempre perdão
Com muito cafuso tato e muita cabrita alocução
Sem perdê-lo de fato, em ser nossa salvação.

Então desarmastes-te de europeu
E com pele de Romeu, entregastes-te ao teu querer.
Vestistes-te com a camisa listrada, que encaixou e que te deu
Como uma segunda pele, e pusestes-te a cometer.

Melhor seria, talvez, ter dito segunda língua,
Mas a língua é a mesma, fiel instrumento de trabalho,
Nem numa forma ou noutra o léxico mingua
Temos todas as cartas, pois não se amesquinha o baralho.

Muda é o ritmo, que neste calor já o sabemos dissoluto.
É o mesmo português que por aqui, porém mais hirsuto,
É filho dos mesmos sentimentos que foram postos a braço
Que para recompô-los  é necessário muito, muito descompasso!













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