terça-feira, 26 de maio de 2015

O povo não foi bobo: Viva a Rede Globo!






Chovia torrencialmente, era mesmo um dilúvio, um dilúvio que por razões pessoais nunca poderei esquecer, e, depois de existir já o tempo de gestação humana, a emissora do Jardim Botânico que se lançara contra as poderosas Tupi e Excelsior, põe no ar toda a catástrofe das chuvas do início de 66 de forma crua e real, gerando um impacto de verdade, que deu logo destaque a seu jornalismo. Foi tanto tempo direto no ar que lá em casa parecia chover mais na televisão que nos jardins, certamente não era assim. Depois vieram os travestidos dramalhões mexicanos de Glória Magadan, e, logo, uma série de inovações no teleteatro, ainda o nome novela não tinha pegado, e para além da dramaturgia, uma especial atenção com a mulher e a criança telespectadora, trouxe-lhe o sucesso, poder-se-á mesmo dizer, sem exagero, meio século de sucesso contínuo. E soube fazer todos os movimentos certos para espalhar-se pelo mundo fora, levando os produtos de sua fábrica de sonhos a toda parte.

No entanto sua proximidade do poder, sobretudo o ditatorial, que se prolongaria forte durante os primeiros três lustros de sua existência, usando mesmo a força da sua imagem para favorecer a ditadura que lhe dera a concessão do canal, o quarto, comprometera-a, tirando para a elite pensante, política e cultural, do Brasil todo o valor da extensa obra que ao mesmo tempo realizava, amesquinhando-a para todos nós que tínhamos consciência disto.


Era raro o comício, ou manifestação que entre as palavras de ordem não estivesse incluído o coro: O povo não é bobo: Abaixo a Rede Globo! Um protesto natural daqueles que reconhecendo sua liderança nas audiências queriam acreditar que mesmo assim a população não se deixaria influenciar pelas tendenciosas matérias que saiam em seus noticiários protegendo ou ignorando as atitudes do governo, consoante fossem nocivas ou de caráter mais ditatorial, omitindo-as ou as maquiando. Como já pediram perdão destas atitudes, e como cristãos devemos perdoar, ultrapassemos isto.

Entretanto a Rede Globo foi se contagiando do país, deste imenso país que fez tanto por cobrir totalmente, diretamente através de suas retransmissoras, ou indiretamente através de suas afiliadas, concessionárias regionais, para interesses e anunciantes locais, que retransmitem a poderosa e prestigiosa grelha da imensa rede, até que chega a cobrir um percentual que beira os 99% de um continente como o Brasil. Padecendo desta incurável doença da beleza do fantástico país que retratava, já não tendo outro caminho que mergulhar cada vez mais fundo nessa realidade forte, penetrante e envolvente, seja nos pampas, ou nas fronteiras com a Guiana Inglesa, ou perdida em alguma praia ao longo dos nove mil e duzentos quilômetros de litoral para escolher se perder.

Desta fabulosa doença originou-se uma maravilhosa produção de retratos a todos os níveis da realidade brasileira, com destaque  para, sobretudo, os documentais e teatrais, que recriaram a multiplicidade de caráteres regionais, de falares, de cantares, de dizeres, e sobretudo de sentires, sentimentos tão diversificados e expressivos que fazem a imensidão destas terras, uma, por se expressar em uma só língua, mas tão múltipla na forma, no jeito, no som, no ímpeto, na interpretação de sua própria realidade. Contagiada, repito, por tudo isto, não pode conter-se no desejo imenso de tudo registrar, de a tudo dar expressão, padecendo deste mal incurável de brasilidade que transformou-se em sua marca mais forte, ou mesmo seu paradigma, que é no fundo sua marca de autenticidade, porque aprendeu a ser Brasil em tudo, ultrapassando toda e qualquer reticência que pudesse ter tido, para assumir, vestindo a camisa, mais que isto, vestindo as fantasias do país que retratava.

Brasílica, brasiliana, abrasileirada, brasileira em plenitude, não podia, nem deveria mais negar cerrar fileiras com a verdade que mais que retratar, tornara-a sua, mas não na qualidade de possuidora, mas na de parte, de partícipe, e mais que participante, agora era organizadora e gestora da festa, essa enorme festa que se chama Brasil. Irremediavelmente cooptada, integrada e florescente, a brasileira Rede Globo, perdeu-se nos braços de sua criatura-criadora, razão última de sua existência.

Por isto que nestes festejos de seu cinquentenário iremos transmutar, tão à brasileira, que é em si mesma esta força poderosa e irresistível de transformação, o coro tantas vezes repetido, e dizer a plenos pulmões desejando-lhe parabéns: O povo não foi bobo! Viva a Rede Globo!



Sem comentários:

Enviar um comentário