segunda-feira, 14 de setembro de 2015

BOCAGE NUM QUARTO DE MILÊNIO DO SEU NASCIMENTO.






                                                                                                              *  15 de Setembro 1765 -2015.
                                                                                                              ÷  21 de Dezembro 1805- 2020

Setúbal resolveu fazer com atraso homenagens neste passado 15 / 9, 255 anos de seu nascimento. Toda homenagem é pouca para Manuel Maria Barbosa du Bocage. E devemos sempre lembra-lo. 

Um génio além de seu tempo, explodindo em meio à mediocridade dominante, motiva todas as invejas, todas os ódios, com sua cascata de magia. Romântico antes do romantismo, moderno onde não havia modernismo, enfim uma modernidade pagã, contra tudo e contra todos, Bocage é Bocage.

No sesqui-bicentenário, seu quarto de milênio de nascimento eu o homenageei com um poema.
Segue o poema:


Se houve boca de ultraje
E que ninguém pôde calar
Foi a boca do poeta Bocage
Cantador a despregar.

Canta o povo, canta o amor, canta o desejo
Canta, canta, canta os falsos para os acusar
Canta o arrojo, a volúpia, mesmo o cantar, e do ensejo
Seu canto chega mesmo a delirar.

Delírios da vida pungentes,
Delícias de os fazer,
São os poemas pulsantes
Do seu pronto dizer.

Por as saber descentradas
À todas as coisas reage,
As fazendo iluminadas
À luz única de Bocage.

E para empalecer minhas pobres rimas, lembremos quatro poemas dentre os que mais gosto do grande vate, para além de seu Auto-retrato, visto aqui em diferentes registos (o romântico, o satírico, o erótico, quase pornográfico, o amoroso) :

Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.


Morte, Juízo, Inferno e Paraíso

Em que estado, meu bem, por ti me vejo,
Em que estado infeliz, penoso e duro!
Delido o coração de um fogo impuro,
Meus pesados grilhões adoro e beijo.

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo.

Assim passo, assim vivo, assim meus fados
Me desarreigam d’alma a paz e o riso,
Sendo só meu sustento os meus cuidados;

E, de todo apagada a luz do siso,
Esquecem-me (ai de mim!) por teus agrados
Morte, Juízo, Inferno e Paraíso.


Soneto de Todas as Putas

Não lamentes, ó Nise, o teu estado; 

Puta tem sido muita gente boa; 

Putissimas fidalgas tem Lisboa, 

Milhões de vezes putas teem reinado:


Dido fui puta, e puta d′um soldado: 

Cleopatra por puta alcança a c′ròa; 

Tu, Lucrecia, com toda a tua pròa, 

O teu cono não passa por honrado:


Essa da Russia imperatriz famosa, 

Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta) 

Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta: 

Não fiques pois, oh Nise, duvidosa 

Que isto de virgo e honra é tudo peta.


O Leão e o Porco

O rei dos animais, o rugidor leão,
Com o porco engraçou, não sei por que razão.
Quis empregá-lo bem para tirar-lhe a sorna
(A quem torpe nasceu nenhum enfeite adorna):
Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,
Poder de despachar os brutos pretendentes,
De reprimir os maus, fazer aos bons justiça,
E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça;
Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,
E a sua ocupação dormir, comer, fossar.
Notando-lhe a ignorância, o desmazelo, a incúria,
Soltavam contra ele injúria sobre injúria
Os outros animais, dizendo-lhe com ira:
«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira!»
E ele, apenas grunhindo a vilipêndios tais,
Ficava muito enxuto. Atenção nisto, ó pais!
Dos filhos para o génio olhai com madureza;
Não há poder algum que mude a natureza:
Um porco há-de ser porco, inda que o rei dos bichos
O faça cortesão pelos seus vãos caprichos.




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